27 June 2010

Ultra Trail Serra da Freita 2010


Dia 27 de Junho… é dia do Ultra Trail da Serra da Freita.

Após 6 horas de descanso apenas, já estava a pé para encarar mais uma grande aventura nas mais lindas serras que Portugal tem. Eram 4 horas da manhã e e já só faltava 1 hora para dar o início da corrida.

Tempo para comer um pouco de massa, alguma fruta e ingerir os últimos líquidos antes do longo dia que viria ter pela minha frente… mais longo do que eu estaria a espera, como mais tarde se iria verificar.

Faltam 5 minutos para o início da partida e eu a tomar o último cafezinho…

O café estava situado logo na entrada do parque de campismo, local a partir donde a corrida iria começar. Encontrei ainda o Pedro Amorim, grande amigo destas andanças, com quem partilhei os últimos momentos ao sabor dum café. Fomos indo até a partida, onde se fez a chamada de cada atleta pela última vez. Logo de seguida deu-se a ordem de partida e pouco depois toda gente se encontrava no meio da natureza e com os frontais postos para uma longa aventura. Desde cedo - e no meio do grupo de frente - demos conta que o dia iria ser dum imenso calor. Assim rapidamente o ritmo da frente ia acelerando cada vez mais. Ao kilómetro 10 já se fizeram sentir as primeiras brisas de calor.

Pouco mais frente comecei avistar uma descida que de modo algum não podia deixar passar em vão. As descidas desde sempre foram o meu grande forte nos Trails e nas corridas de montanha. Assim sendo, liguei o meu turbo e foi por aí baixo como um foguete, até que deixei toda gente literalmente para trás.

Pouco antes do rio avistei o Luís da organização que ficou estupefacto quando me viu… até me perguntou na brincadeira se não me tivesse enganado. Foi então quando dei um sorriso e segui em frente para a próxima descida que já se avizinhava em direcção do rio.

Chegando ao rio e já quase com 20 kilómetros nas pernas, deu-se então a grande vira volta. Disse me para mim que ia baixar um pouco o ritmo para não ter nenhuma queda, até porque tinha bastante vantagem, mas foi precisamente quando se deu a tragédia. Tive num espaço de 800m uma queda, que deixou a minha perna direita no estado lastimável, e mais a frente meti a perna num buraco, o que me causou umas dores imensas na canela. Raspei literalmente parte da pele. Cheguei ao ponto de gritar de dores, fazendo com que algumas das muitas pessoas que me iam ultrapassando pensassem que tinha partido a perna. Enquanto estava estendido no chão, pensei literalmente que isto teria sido o fim da prova. Rezei para que nada estivesse partido porque isto significaria o fim da época desportiva... Nunca passei por tal situação.

Mas como sempre me disseram desde pequeno: “Querer é poder!” Levantei me pouco depois e tentei andar alguns passos para ver como isto estava. Logicamente depois da prova iria ficar muito partido, mas se durante da corrida ainda estava quente significaria que poderia prosseguir com a minha marcha, embora com um ritmo mais lento do que estava habituado até aí. Como não sou pessoa de desistir tão facilmente e sendo aquariano de signo, ou seja por outras palavras muito teimoso nas minhas horas, segui a minha marcha. Queria avistar o primeiro ponto de abastecimento e depois logo se ia ver como fosse daqui para frente.

A saída do rio e depois duma pequena subida vi finalmente o posto de abastecimento. Olhei para o que está disponível a nossa disposição. Comi 2 pedaços de bananas e um pouco de marmelada. Bebi dois copinhos de bebida isotónica e segui com a marcha.

A coisa foi indo e entretanto já me estava adaptar a nova situação. Cá para mim seria uma frustração se não conseguisse chegar ao fim desta prova, até porque 3 semanas depois teria uma prova mais emblemática do que esta – Ehunmilak. Ou seja isto seria apenas um pequeno pedaço de percurso comparado com a outra prova que se ai avizinhava. Foi quando disse para mim mesmo: “ É isto mesmo...! A partir de agora isto será um treino e não vamos cá pensar em tempos, nem que chegue em último, mas hei-de chegar!” Dito isto foi até ao próximo abastecimento, kilómetro 40, onde novamente me abasteci abundantemente. No entanto, nunca fiquei muito tempo parado para as dores não se acentuarem muito. Comia e bebia a descrição enquanto mexia as pernas para não parar por completo. Tive também uma pequena assistência da cruz vermelha com spray frio para retirar, ou melhor esconder, algumas dores nem que fosse apenas por momentos. Obviamente o sentimento das dores iria aumentar a cada kilómetro que fizesse a mais, mas ao mesmo tempo encarava como um treino de endurecimento total, como se da tropa tratasse. Estava mais do que nunca determinado em acabar esta prova, custa o que custasse e nada me faria parar a não ser que não conseguisse atingir o tempo limite mínimo a cada controlo, coisa que até hoje nunca aconteceu e espero que nunca aconteça!

Kilométro 44 e muito tempo de ausência humana, comecei abordar uma nova táctica e mantive um ritmo mais baixinho a espera da nossa grandiosa atleta Maria Júlia Fernandes, a quem tinha convencido de embarcar nesta aventura – foi também mais uma das outras razões que nunca me levaram em abandonar a prova. Depois de todo encorajamento, seria eu a primeira pessoa desistir. Não poderia ser de modo algum. Ela está numa fase boa das provas Trail e é importante de que este nível e a auto-estima se mantivessem ao mesmo nível. Quem já se arrastou 25 kilómetros, poderia bem se arrastar outros tantos para completar a prova.

Enquanto esperava da aproximação dela, vi o Pedro Amorim e o Marco Silva entre outros atletas a chegar. Diziam me eles que a Júlia estaria com algum esforço de andamento e que lhe devia falar com ela para retirarmos em conjunto na próximo abastecimento, tendo em conta também o estado em que me encontrava. Foi aí que no meu do grupo localmente presente surgiu o José Carlos Fernandes, oferecendo umas compressas, que foram uma ajuda valiosa para terminar a prova e por qual lhe estou muito grato. Sem dúvida é aí que notamos o companheirismo enorme que existe entre os atletas das montanhas.

Entretanto em companhia de colegas da mesma equipa e novos amigos vi finalmente a Júlia a chegar. Ela ficou muito espantada quanto me viu. Pensava que já estaria muito mais a frente e perguntou me logo o que passava. Contei lhe os factos e a situação dos acontecimentos. Vi nos olhos dela que também estava determinadíssimo em terminar a prova e longo de pensar em abandonar, embora as dores também se faziam sentir.

O grupo seguiu unido durante vários kilómetros. Mais uns kilometros a frente, já com chuva a cair, as minhas pernas voltaram finalmente responder. Eu nem queria acreditar. “Mas o que isto… estou a correr, mas como é possível?! Deixa me já aproveitar esta onda durante alguns tempinhos antes que isto piora outra vez.” Alguns do grupo viram efectivamente de que estava determinadíssimo em concluir a prova.

Fomos informados de que a Júlia mantinha o 3º lugar na geral, já desde muitos kilómetros.

Avançamos no terreno. Ora subida, ora descida. Parecia uma montanha russa e mais um jogo mental para ver quem era o mais resistente. O próximo objectivo, era estar dentro do limite de tempo das 14 horas ao kilómetro 60. Nunca imaginei que em prova alguma, algum dia teria de lutar para estar dentro do tempo limite para poder continuar em prova. Enquanto os outros do grupo seguiram sua marcha, depois de se terem certificado de que estava tudo bem comigo e com a Júlia, tentei seguir o ritmo da Júlia, mas agora cada vez mais com dificuldades. O momento das minhas pernas darem as últimas, como se duma pilha Duracell tratasse, tinha finalmente chegado. Ao mesmo tempo pensava para mim, no vídeo clip das pilhas Duracell o coelinho continua andar na mesma. Tinha a noção de que apenas a minha mente poderia me levar até a meta. Quando vi que a Júlia tinha de abrandar muito por minha causa, disse lhe para prosseguir sozinha e de não se preocupar, porque iria mais cedo ou mais tarde chegar a meta. Já só faltavam 7 kilómetros… o que é isto… corrida do homem e da mulher, corrida do ambiente ou algo parecido em termos de distância. Mas nem imaginam, o que custaram estes últimos 7 kilómetros. Isto já foi outra história. Agora sozinho no mato! Mais uma descida forte e a cada passo que dava doía por causa da perna direita. Só rezava para que aparecessem subidas… sim subidas… quem iria imaginar que alguma vez iria me contentar com subidas. Parece irreal!

A 3 kilómetros do fim a assistência da cruz vermelha me avistou e tentou falar comigo para ver se ganhava algum juízo. Perguntei apenas quantos kilómetros faltavam, só para confirmar com o meu Garmin a ver se batia certo. 3, foi o número. Olhei para eles, pensando: “Devem estar a gozar comigo! Parar a 3 escassos kilómetros! Então que fiz eu durante 47 kilómetros arrastando pela selva! Nem pensem!” Mas também não passou do pensamento e disse-lhes de que conseguira continuar, até porque agora seria apenas subida e a coisa ia melhorar. Um dos homens olhou para mim, como quem diz: “Este gajo é mesmo tolo!” Estava muito firme e mais do que nunca tinha a certeza de que iria terminar a prova. Rapidamente prossegui - antes que houvessem alterações de ideias - e pouco depois já só ouvia vozes, incluindo a Júlia que já tinha terminado a prova, a perguntar se estava bem. Tive nos últimos metros da subida ainda a companhia de mais 2 colegas. Até tivemos tempo de avistar um carro abandonado no meio das árvores.

Chegando ao topo e já fora da selva, faltavam apenas 800m para a meta. Vi lá o carro da cruz vermelha. Ainda disse: “Está ver, eu disse que iria chegar aqui acima, custa o que custasse.” Agradeci lhe de qualquer forma pela sua preocupação. Verdade seja dita, muitas vezes são estas pessoas que caiem em esquecimento, sendo muitas vezes pessoas fulcrais no que diz respeito a segurança dos atletas.

Quero deixar aqui agradecimentos ao Victor Ferreira (Grupo Desportivo dos 4 Caminhos) que esteve presente nos últimos 800m, garantindo que chegasse bem a meta, juntamente com um jovem da cruz vermelha. Igualmente preciso agradecer ao Vitorino Coragem (Abutres Running Team) que finalmente foi conhecendo e com quem tive prazer de partilhar vários kilómetros ao longo do percurso.

Para o ano de certeza estarei de volta a Serra da Freita, porque apesar de tudo é a minha serra favorita de todas que conheço aqui em Portugal!

Já agora, sabem de que cor era o carro? Aguardo respostas…

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