Dia 7 de Maio, sexta-feira, 15h45 e eu prontinho para partir em rumo para a Espanha para uma das maiores aventuras que alguma fiz até a data.
O destino … Ponferrada … uma localidade bonita com montanhas e paisagens estrondosas.
A prova em que iria participar chama-se “Los 101 Peregrinos” com uma distância de 101km, que no final acabaram-se revelar 103km. Mas o que é isto … mais 2 kilómetros … não custa nada right?!
O tempo limite imposto viria ser 24 horas.
Muitas pessoas certamente viriam se perguntar: “ Mas porque é que alguém queira se sujeitar a uma loucura destas?” Tanto esforço, tanto sofrimento para quê e para qual propósito.
Só posso dizer que é uma aventura incrível, inédita, gratificante, experiência fabulosa e com muitas lições a aprender pelo caminho. Explorar os limites do nosso próprio corpo é algo surpreendente. De facto cada pessoa é capaz de mais do que imagina. É algo de extra-ordinário como o nosso organismo é capaz se readaptar as novas circunstâncias. Há certas metas que nos parecem impossíveis de atingir, mas que na realidade não o são. Com muita determinação e paciência até as barreiras mais difíceis podem ser ultrapassadas e esta seria apenas mais uma. Querer é poder! Nunca, mas nunca devemos duvidar de nós próprios!
7 de Maio, 21h50, Ponferrada, local da prova …
Assim que cheguei à Ponferrada dirigi-me de imediato para o “Polideportivo Municipal El Toralín” para efectuar o levantamento do dorsal da prova. Só se podia levantar dorsais até às 23h00, já que depois dessa hora não seriam entregues mais dorsais. Arrumado esta questão e como já se se fazia tarde, o próximo passo veria ser a alimentação e a montagem da tenda. Decidi no entanto montar a tenda primeiro, visto que rapidamente a noite estava ficar mais escura. A minha tenda é uma de montagem rápida, o que permitiu arrumar a questão em 3 tempos.
Próximo passo, a alimentação … Massa misturada com atum e bastante fruta como sobremesa. Ainda dei um pequeno passeio para descontração e de seguida foi me repousar.
8 de Maio, 09h00, tenda …
Horas para levantar e última refeição ligeira para partir para a aventura. Com o dorsal posto, desloquei-me até a partida, onde se podia encontrar centenas de bicicletas e alguns dos mais de 450 atletas que iriam fazer os 101km marcha / corrida.
A prova podia ser feita de 3 formas distintas: marcha / corrida, duatlo e bicicleta apenas.
Às 10h45 foi dada a partida para a prova de duatlo e de bicicleta. Logo de seguida, às 11h00, todos os restantes partiram rumo.
Durante os primeiros 6km tivemos acompanhamento policial pelas ruas de Ponferrada, pelo que tivemos ir a um ritmo quase a passo atrás do carro da polícia. Foi bom e chato ao mesmo tempo. O que é certo, tivemos de arrancar lentamente. Chegando a terrenos montanhosas e agora por nossa conta, a coisa começou aquecer. Rapidamente o ritmo de andamento aumentou e lá aceleramos pelos terrenos irregulares. Os primeiros 25km foram bastante fáceis, tirando uma ou outra subida. A partir daí a coisa foi cada vez mais dura e rapidamente a coisa tornou-se num inferno para muita gente.
Kilómetro 33 e após algumas subidas mais problemáticas o motor das minhas pernas parecia quer desligar. Quanto isto acontece, não há nada como deixar as pernas andar ao ritmo que elas querem e assim foi. Dos 33 aos 42 kilómetros a coisa andou muito feia e havia muitos motivos que pudessem levar a desistência. Vi das mais diversas coisas:
- Pessoas encostadas a tentar reparar as suas bicicletas devido a lama que se tem instalado no terreno por causa da chuva que tem vindo a cair desde já alguns kilómetros.
- Outros atletas já apresentavam demasiada fadiga nas pernas enconstavam-se por momentos para recuperar fôlego e relaxar do cansaço acumulado nas pernas.
Mal imaginava o que viria acontecer mais a frente …
Chegando próximo do kilómetro 44 segundo o meu relógio, ouvi uma voz a pedir socorro. Prontamente me apercebi que algo de muito errado se tinha passado com esta mesma pessoa, não sabendo no entanto donde vinha a voz. Falei então em espanhol, perguntando onde se encontrava. Quando olho para o meu espanto, vejo que - a pessoa em apuros - tinha caído por uma enconste não muito inclinada. De imediato fiz sonar o apito que trazia na minha mochila de montanha que se fez ouvir por uma larga distância. Não faltou muito tempo para ver um ciclista aproximar-se. Fiz-lhe sinais, tentando alertar da situação. Como vi outros corredores aproximar, disse-lhe que seria melhor que fosse andando em busca de elementos da organização que poderiam assistir o homem.
Assim foi…
Entretanto, juntamente, com mais 2 atletas foi possível retirar o homem do sítio e trazer-lhe de volta para o caminho por onde toda gente da prova passava. Apresentava alguns esmurrões e aparente e felizmente não tinha nada partido que por si só já era muito bom. O senhor agradeceu-nos pela nossa ajuda, contando que tinha chegado a exaustão nas pernas o que fez que lhe falhou o pé e caísse pela encosta. Por momentos todos os presentes tinham esquecido a prova e a camaradagem representava mais que tudo. Todos queríamos que aquele senhor ficasse bem entregue para depois então prosseguir com a prova. Num espaço de 10 minutos um carro da guarda civil chegou ao local. Ajudamos ao senhor entrar no carro e aguardamos pelo agente partir.
Resolvido a questão e contente de poder ajudar, retomei lentamente a prova … e assim foi durante mais 16km.
O local de abastecimento ao kilómetro 60km foi algo especial. Havia o local para levantar as mochilas para quem tivesse depositado antes da prova, várias massagistas para tratar das dores e mazelas e o único abastecimento verdadeiramente digno para poder se abastecer. Certamente o número de locais de abastecimento estava bem colocado ao longo do percurso. Havia muitos abastecimentos líquidos, mas uma grande lacuna de abastecimentos sólidos para uma prova deste tipo de dureza.
Ainda bem que tinha comprado muitas barras e gels…
Apenas parei no abastecimento do kilómetro 60 para comer duas sandes mistas, beber uma fanta de limão e uma garafa de água. Decidi não me sujeitar a nenhuma massagem. Disse-me para mim: “Sabe-se lá, ainda fico mole e depois é que não ando mesmo!”
E lá foi até ao kilómetro 74 approximadamente, quando o frio e a chuva começavam apertar cada vez mais. Cheguei passar por uma pequena aldeia, onde havia outro abastecimento; agora com sandes de presunto. Tremia com o frio por todos os lados e não havia nada que me fizesse aquecer. Nem o casaco térmico, que levava na mochila para essas ocasiões e por esta altura já trazia no corpo. A única coisa que me fazia andar para a frente era a minha mente. Mais uns 300 metros após o local de abastecimento vi uma senhora de idade sair da sua casa que olhou para mim e viu que ia em sofrimento.
Olhou e disse: “Estás tan blanco niño! Toma un vino que te voy a dar y eso ya te passa!”
Normalmente eu não sou nada ligado ao álcool, mas algo puxou-me como magnetismo para aquela casa…
Estava num momento em que se tivesse fazer um sprint com aquela senhora, ela ganhava-me de certeza.
… Muito grato pela oferta daquela senhora, bebi um copo de vinho e agradeci novamente antes de retomar rumo. De novo nestas andanças comecei retomar progressivamente o ritmo até que finalmente senti o corpo a começar aquecer. Decidi manter o ritmo em que me encontrava, para ganhar novamente forças para mais adiante. Quando o terreno era plano ou havia descidas corria, quando havia subidas simplesmente andava a trote ou a passo.
Kilómetro 83 e o dia estava começar ficar cada mais escuro. Mais uma subida pela minha frente, que me fez lembrar da Meia Maratona do Douro Vinhateiro, mas pelo meu espanto voltei ter forças nas minhas pernas. Lembrei-me das palavras do nosso amigo Fernando Tuya: “Se houver pernas, há tudo!”
E assim foi … quando dei por ela já estava a correr novamente como se tivesse começado a prova a partir deste mesmo sítio. Quando todos pareciam estar abrandar, eu estava a ali a correr! … e logo ainda por cima numa subida, quando durante toda a corrida tem sido diferente, o que seria de esperar. Isto porque como pessoa mais alta e mais pesada do que muitos outros concorrentes (75kg) – pelo menos em termos de atleta assim o se pode considerar – as subidas sempre foram uma tarefa árdua. Em compensação, e quem me já conhece assim o sabe, as descidas tornam-se numas verdadeiras auto-estradas.
Tentei reflectir várias vezes sobre este assunto e questionar me de como isto seria possível após tanto desgaste físico e que consequências poderia ter o impacto de aumentar novamente o ritmo. No entanto decidi ir na onda e foi indo, indo, indo … Assim o mantive durante os próximos 9km. Entretanto ia recebendo várias mensagens ao longo desde percurso de vários amigos e familiares que já a horas estavam ansiosos por saber novidades. Não consegui responder a todas as mensagens pelo que peço desculpa, mas os últimos kilómetros da prova foram bastante perigosos e cada vez mais lama se apresentava pelo caminho.
Kilómetro 93 e o desgaste era notório. Já só faltam 8 kilómetros e eu já desde uns kilómetros com o frontal posto. Dizia eu para mim … só mais 8 … isto é praticamente equivalente a prova de Gondomar, de apenas 2 semanas antes. Mas o que desde então se fazia numa questão de minutos, agora poderiam representar horas com o cansaço significativo nas pernas.
Lembrei-me do relato do Luis Pires de Bienne na Suiça e o sucedido …
Decidi manter a calma e andar num ritmo confortável. Sobretudo pensei em sempre andar seja o que fosse, porque uma paragem – mesmo que fosse apenas só por uns instantes - poderiam signifcar o fim. Já com 93 kilómetros nas pernas os pés começaram doer cada vez mais. Daqui adiante tinha a nítida anução de que seria um jogo de paciência e resistência … eu cá estava e não estava minimamente disposto em ceder. Seja o que fosse agora; nem que me tivesse arrastar até a meta.
Kilómetro 94 … se eu não ceder, então o material cede!
Quando dou por ela o meu frontal deu o que tinha a dar. Mas que raios … dizia para mim próprio … Agora só me restam as minhas sapatilhas, mochila com o escasso pacote de gel que me sobrava – mas que eu guardava religiosamente para uma eventualidade – e algumas luzes de ambiente de muito longe à longe. Fiquei aborrecido com a situação, mas de nada me serviu. Paciência …
Se não há luz, não há luz … Nesta altura nada me travava e estava disposto a tudo. Segui o meu caminho com muita cautela dada as condições do terreno. Lama e mais lama. Senti a actividade nocturna dos animais e o fluir de um rio que se encontrava por perto. Será que ainda é necessário atravessar um pedaço de rio? Assim tipo Serra da Freita? Tinha agora a sensação de que estaria fazer um treino militar. Só não havia inimigos, nem zonas de combate. Foi andando assim durante 6 kilómetros. O facto de ter estado sem contacto humano durante várias horas ainda mais reforçou esta ideia.
Kilómetro 100 e finalmente luz a vista. Tinha cada vez mais a sensação de já estar muito próximo do fim. Até já podia avistar Ponferrada, embora não a meta. O que em provas bastante mais curtas representaria ainda um bom bocado – 2 à 3 kilómetros – parecia já ao virar da esquina.
A uns escassos 300 metros da meta ainda avistei uma pessoa aproximar de mim, na tentativa de me alcançar, mas não dei tréguas e dei o litro … nem que isso significasse arrebentar por completo na meta. Os próximos dias seriam de qualquer maneira de descanso!
Trajecto: 103km (mais 2km de oferta)
Tempo : 13 horas 54 minutos 22 segundos
Moral:
- Uma experiência que recomendo vivamente a toda gente fazer pelo menos uma vez na vida!
- Não ir para a prova com pelo menos de 10 Gels e 6 barras (pelo menos foi o que necessitei!)
- Ter pelo menos umas pilhas suplentes para depois não ter que andar às escuras!
- Ter muito juizinho, isto, se o corpo pede para abrandar, abrandar mesmo! (Felizmente sempre tive sorte na avaliação desde factor)
- Sempre ter um apito por perto; nunca se sabe! Se não for necessário para nós, pode ser necessário para outros, como se pude constatar!
- Nunca perder a esperança e sorrir ao longo da prova! Afinal estamos aqui para nos divertirmos! (Felicidade traz Positivismo)
No comments:
Post a Comment